Alimentação na Idade Média em Portugal
De uma maneira geral, a alimentação medieval era pobre, se comparada com os padrões modernos. A quantidade supria, quantas vezes, a qualidade. A técnica culinária achava-se ainda numa fase rudimentar e as conquistas da cozinha romana tinham-se perdido com a queda do império.
As duas refeições principais do dia eram o jantar e a ceia. Jantava-se, nos fins do século XIV, entre as dez e as onze horas da manhã. Ceava-se pelas seis ou sete horas da tarde.
O jantar era a refeição mais forte do dia. O número de pratos servidos andava em média pelos três, sem contar com as sopas, acompanhamentos e sobremesas. Para os menos ricos, o número de pratos ao jantar podia descer para dois ou até um. À ceia, baixava para dois a média das iguarias tomadas.
A base da alimentação era a carne. Ao lado das carnes de matadouro ou carnes gordas - vaca, porco, carneiro, cabrito - consumia-se largamente caça e criação.
A criação não variava muito da de hoje: galinhas, patos, gansos, pombos, faisões, pavões, rolas, coelhos. Não existia ainda o perú que só veio para a Europa depois do descobrimento da América..
Fabricavam-se também enchidos vários, como chouriços e linguiça.
A forma mais frequente de cozinhar a carne era assá-la no espeto (assado). Mas servia-se também carne cozida (cozido), carne picada (desfeito) e carne estufada (estufado).
Porco prestes a ser abatido. |
Ave sendo assada num espeto. Abaixo do espeto está uma bacia estreita e rasa para coletar o gotejamento para uso em molhos ou para cozer a carne; ilustração de Decamerão, Flanders, 1432. |
O peixe situava-se também na base da alimentação, especialmente entre as classes menos abastadas, e durante os dias de jejum estipulados pela Igreja.
Um dos peixes mais consumidos pelos portugueses na Idade Média, parece ter sido a pescada (peixota). Sardinha, congros, sáveis, salmonetes e lampreias viam-se também com frequência nas mesas de todas as classe sociais. Também se comia carne de baleia e de toninha, bem como mariscos e crustáceos. Ao lado do peixe fresco, a Idade Média fez grande uso de peixe seco salgado e defumado.
Pesca de lampreia num rio. Tacuinum Sanitatis, século XV |
A fruta desempenhava papel de relevo nas dietas alimentares medievais. Conheciam-se praticamente todas as frutas que comemos hoje. Muitas eram autóctones, outras foram introduzidas pelos árabes. Apenas a laranja doce viria a ser trazida por Vasco da Gama. Certas frutas eram consideradas pouco saudáveis como as cerejas e os pêssegos por os julgarem "vianda húmida". Também o limão se desaconselhava por ser "muito frio e agudo". Era uso comer fruta acompanhada de vinho, à laia de refresco ou como refeição ligeira, própria da noite. Da fruta fresca se passava à fruta seca e às conservas e doces de fruta. Fabricavam-se conservas e doces de cidra, pêssego, limão, pera, abóbora e marmelo. De laranja se fazia a famosa flor de laranja, simultaneamente tempero e perfume.
Romãs/Pomegranate, Tacuinum Sanitatis; 1385 |
O fabrico de bolos não se encontrava muito desenvolvido. Anteriormente ao século XV, o elevado preço do açúcar obrigava ao uso do mel como único adoçante ao alcance de todas as bolsas.
Havia excepções: fabricavam-se biscoitos de flor de laranja, pastéis de leite e pão de ló, juntamente com os chamados farteis, feitos à base de mel, farinha e especiarias. Com ovos também se produziam alguns doces: canudos e ovos de laço.
Contudo, só a partir do Renascimento se desenvolverá a afamada indústria doceira nacional.
Bees & beehives (medieval Illuminated Manuscripts) |
Beekeeping from BL King's 24, f. 47v | Virgílio, (1483-1485) |
Mas a base da alimentação medieval, quanto ao povo miúdo, residia nos cereais e no vinho. Farinha e pão de trigo, milho ou centeio, e também cevada e aveia, ao lado do vinho, compunham os elementos fundamentais da nutrição medieval. E no campo havia sucedâneos para o pão: a castanha ou a bolota, por exemplo.
O número de bebidas era extremamente limitado. Café, chá, chocolate e cerveja, desconheciam-se. À base do vinho e água se matava a sede ou se acompanhavam os alimentos. Bebia-se vinho não só ao natural mas também cozido e temperado com água.
Não eram especialmente apreciadas as hortaliças e os legumes, pelo menos entre as classe superiores. O povo, esse fazia vasto uso das couves, feijões e favas. As favas, assim como as ervilhas, as lentilhas e o grão de bico tinham igualmente significado como sucedâneos ou complementos do pão. Os portugueses do interior, sobretudo beirões e transmontanos recorriam à castanha. Durante metade do ano comiam castanha em vez de pão.
Nas casas ricas, onde a culinária era requintada, as ervas de cheiro serviam de ingredientes indispensáveis à preparação das iguarias, como coentros, salsa e hortelã, ao lado de sumos de limão e de agraço, vinagre, de cebola e de pinhões. Cebola e azeite entravam para o tradicional refogado.
Para bem condimentar os alimentos, usavam os portugueses da Idade Média espécies várias de matérias gordas. O azeite, em primeiro lugar mas também a manteiga, o toucinho e a banha de porco ou de vaca.
O tempero básico era, naturalmente, o sal também usado para a conservação dos alimentos.
As chamadas viandas de leite estão sempre presentes, isto é, queijo, nata, manteiga e doces feitos à base de lacticínios. O leite consumia-se em muito fraca quantidade. Na sua maior parte transformava-se em queijo ou manteiga. Servia também como medicamento.
Os ovos consumiam-se cozidos, escalfados e mexidos.
É após do ano 1000 que a procura da comida se torna mais complicada, devido à diminuição das áreas destinadas às plantações. A carne era valiosa e escassa e por isso considerada sinónimo de prosperidade e abundância.
Os poucos animais domésticos que existiam eram considerados animais de trabalho, essenciais para desenvolver o trabalho nos campos e não carne para comer. Aumenta por isso o consumo de cereais como o centeio e trigo-sarraceno, utilizados pela preparação de simples pães.
O pão presente em todas as refeições, era de vários tipos: de cevada, de centeio e até de castanha. A mesa de quem vivia dos produtos da terra previa também a presença de verduras e legumes. Couves, abóboras, cebolas, espinafres eram ótimos quando preparados em sopas e acompanhados com grão-de-bico, favas e lentilhas. Os legumes, ricos de proteínas, eram fáceis de conservar, e muitas vezes eram as lógicas substituições da carne.
Esta era destinada apenas para os dias de festivos: frangos, galinhas, alguns coelhos, representavam a única variante para os trabalhadores da agricultura. As ervas aromáticas, já bastante conhecidas, como o tomilho, o alecrim e o manjericão, junto ao pouco azeite de oliveira, enriqueciam essas simples refeições que estavam na base da alimentação de um camponês.
Para comer sopa usavam malgas que se chamavam tigelas se fossem de barro e escudelas se fossem de madeira ou de prata. A carne e o peixe eram servidos sobre fatias de pão que mais tarde foram substituídas por pequenas tábuas. Já conheciam as facas e as colheres, mas os garfos não. A água e o vinho eram servidos em copos, púcaros ou pucarinhos.
Os banquetes eram organizados com carnes brancas ou vermelhas (galinhas, frangos, gansos, perus, porcos e bezerros). A caça tinha uma grande preferência como: faisões, patos, veados e javalis, que eram acompanhados por pão, ovos cozidos e queijos variados. As verduras e os legumes eram colocados marginalmente nas mesas dos ricos, de fato os médicos não aconselhavam muito estas refeições dos pobres, consideradas na época poucos digeríveis para os estômagos dos poderosos. O mel, único adoçante conhecido, era consumido à vontade. As especiarias, raras e caras, tais como a noz-moscada, a canela, o cravinho e a pimenta, tinham uma presença importante na casa dos nobres. De fato elas além de conservar as carnes por muito mais tempo, quando acompanhadas com pedaços de bacon davam maior maciez e enriqueciam o sabor dos alimentos.
Comer para os monges significava um momento de convívio entre todos. O almoço, rigorosamente ao meio-dia, era composto por legumes e sopa de verduras, para além de um terceiro prato, um rodízio em dias alternados composto por ovos, peixes e queijos. Vinho e pão nunca faltavam. O jantar era baseado nos restos do almoço juntamente com a fruta da época.
A carne, afastada desde o século X e substituída por peixe, ovos, legumes e queijos, tende a comparecer na metade do século XI, quando a presença de nobres entre os religiosos foi mais forte.
Nos numerosos dias de festas do século XI, a carne, especialmente o porco, estava presente nas refeições dos conventos e cozinhada de várias maneiras. Após o ano 1100 os trabalhos religiosos começaram a multiplicar-se, o património estava sempre a crescer graças às frequentes doações da Nobreza. Isto levou o monge a afastar-se da moderação das refeições, dando espaço à abundância e à grande variedade de comida. As cozinhas, cada vez maiores, eram um lugar de prosperidade, de felicidade e de prazer.
Notas retiradas do livro de A.H.Oliveira Marques
A SOCIEDADE MEDIEVAL PORTUGUESA (Livraria Sá da Costa - 3ª edição 1974)
Uma mulher demonstra como tratar e conservar propriamente o vinho. |
Não eram especialmente apreciadas as hortaliças e os legumes, pelo menos entre as classe superiores. O povo, esse fazia vasto uso das couves, feijões e favas. As favas, assim como as ervilhas, as lentilhas e o grão de bico tinham igualmente significado como sucedâneos ou complementos do pão. Os portugueses do interior, sobretudo beirões e transmontanos recorriam à castanha. Durante metade do ano comiam castanha em vez de pão.
Apanha das favas/Harvesting broad beans; Tacuinum Sanitatis; 1385 |
Nas casas ricas, onde a culinária era requintada, as ervas de cheiro serviam de ingredientes indispensáveis à preparação das iguarias, como coentros, salsa e hortelã, ao lado de sumos de limão e de agraço, vinagre, de cebola e de pinhões. Cebola e azeite entravam para o tradicional refogado.
Para bem condimentar os alimentos, usavam os portugueses da Idade Média espécies várias de matérias gordas. O azeite, em primeiro lugar mas também a manteiga, o toucinho e a banha de porco ou de vaca.
O tempero básico era, naturalmente, o sal também usado para a conservação dos alimentos.
As chamadas viandas de leite estão sempre presentes, isto é, queijo, nata, manteiga e doces feitos à base de lacticínios. O leite consumia-se em muito fraca quantidade. Na sua maior parte transformava-se em queijo ou manteiga. Servia também como medicamento.
Os ovos consumiam-se cozidos, escalfados e mexidos.
Alimentação do Povo
Para o povo a carne e o peixe eram um luxo, já que a sua alimentação era feita à base de pão, sopa de legumes e papas de cereais. Comiam também frutas e legumes. Bebiam vinho e cidra (bebida alcoólica feita de maçãs).É após do ano 1000 que a procura da comida se torna mais complicada, devido à diminuição das áreas destinadas às plantações. A carne era valiosa e escassa e por isso considerada sinónimo de prosperidade e abundância.
Os poucos animais domésticos que existiam eram considerados animais de trabalho, essenciais para desenvolver o trabalho nos campos e não carne para comer. Aumenta por isso o consumo de cereais como o centeio e trigo-sarraceno, utilizados pela preparação de simples pães.
Um padeiro com seu assistente. Como visto na ilustração, os pães redondos estavam entre os mais comuns. |
O pão presente em todas as refeições, era de vários tipos: de cevada, de centeio e até de castanha. A mesa de quem vivia dos produtos da terra previa também a presença de verduras e legumes. Couves, abóboras, cebolas, espinafres eram ótimos quando preparados em sopas e acompanhados com grão-de-bico, favas e lentilhas. Os legumes, ricos de proteínas, eram fáceis de conservar, e muitas vezes eram as lógicas substituições da carne.
Colheita de repolho. Tacuinum Sanitatis, século XV |
Esta era destinada apenas para os dias de festivos: frangos, galinhas, alguns coelhos, representavam a única variante para os trabalhadores da agricultura. As ervas aromáticas, já bastante conhecidas, como o tomilho, o alecrim e o manjericão, junto ao pouco azeite de oliveira, enriqueciam essas simples refeições que estavam na base da alimentação de um camponês.
Alimentação dos Nobres
Os senhores alimentavam-se dos melhores tipos de carne, que assavam no espeto, como porco, cabrito e veado. Alimentavam-se ainda de ovos e peixes, como a pescada, lampreia e até mesmo a baleia.Para comer sopa usavam malgas que se chamavam tigelas se fossem de barro e escudelas se fossem de madeira ou de prata. A carne e o peixe eram servidos sobre fatias de pão que mais tarde foram substituídas por pequenas tábuas. Já conheciam as facas e as colheres, mas os garfos não. A água e o vinho eram servidos em copos, púcaros ou pucarinhos.
Os banquetes eram organizados com carnes brancas ou vermelhas (galinhas, frangos, gansos, perus, porcos e bezerros). A caça tinha uma grande preferência como: faisões, patos, veados e javalis, que eram acompanhados por pão, ovos cozidos e queijos variados. As verduras e os legumes eram colocados marginalmente nas mesas dos ricos, de fato os médicos não aconselhavam muito estas refeições dos pobres, consideradas na época poucos digeríveis para os estômagos dos poderosos. O mel, único adoçante conhecido, era consumido à vontade. As especiarias, raras e caras, tais como a noz-moscada, a canela, o cravinho e a pimenta, tinham uma presença importante na casa dos nobres. De fato elas além de conservar as carnes por muito mais tempo, quando acompanhadas com pedaços de bacon davam maior maciez e enriqueciam o sabor dos alimentos.
A abundância da mesa na Idade Média. Livre de la chasse (Livro da caça), início do séc. XV, de Gastão III de Foix-Béarn, Phoebus (1331-1391). |
Alimentação do clero
A ideia da privação da comida estava na base da concepção de vida religiosa dos tempos medievais. Se a abundância de comida é símbolo da Nobreza, o jejum torna-se sinónimo de espiritualidade. Na cultura medieval, o corpo impede a elevação para Deus, segurando os homens aos desejos. A carne era o primeiro alimento que precisava ser afastado, porque interpretava melhor a força e a potência dos guerreiros e, das guerras.Freiras jantando em silêncio enquanto ouvem a leitura da Bíblia. Note o uso de gestos com as mão para se comunicarem. Cena de A vida dos Abençoados, Saint Humility por Pietro Lorenzetti, 1341. |
Comer para os monges significava um momento de convívio entre todos. O almoço, rigorosamente ao meio-dia, era composto por legumes e sopa de verduras, para além de um terceiro prato, um rodízio em dias alternados composto por ovos, peixes e queijos. Vinho e pão nunca faltavam. O jantar era baseado nos restos do almoço juntamente com a fruta da época.
A carne, afastada desde o século X e substituída por peixe, ovos, legumes e queijos, tende a comparecer na metade do século XI, quando a presença de nobres entre os religiosos foi mais forte.
Nos numerosos dias de festas do século XI, a carne, especialmente o porco, estava presente nas refeições dos conventos e cozinhada de várias maneiras. Após o ano 1100 os trabalhos religiosos começaram a multiplicar-se, o património estava sempre a crescer graças às frequentes doações da Nobreza. Isto levou o monge a afastar-se da moderação das refeições, dando espaço à abundância e à grande variedade de comida. As cozinhas, cada vez maiores, eram um lugar de prosperidade, de felicidade e de prazer.
Notas retiradas do livro de A.H.Oliveira Marques
A SOCIEDADE MEDIEVAL PORTUGUESA (Livraria Sá da Costa - 3ª edição 1974)
Perfeito. Conteúdo maravilhoso!
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