Magia, lendas e mistérios da Ordem do Templo e das terras templárias

A partir de Tomar, recuperamos a pista dos templários em Portugal. Não existe outra região onde as lendas templárias tenham deixado um manto tão visível de mistério e magia.

O Castelo de Almourol foi construído no auge do processo de reconquista de território aos mouros. A Ordem do Templo foi fundamental no esforço de guerra. O Castelo integra o itinerário “O Tesouro dos Templários”, um dos novos roteiros turísticos do Património Mundial criados pelo Turismo de Portugal. Fotografia Paulo Magalhães/Turismo de Portugal.

O Castelo de Tomar possui uma grande torre de menagem, constituída por silharia talhada para o efeito, mas também por fragmentos de pedras de edificações anteriores, entre as quais várias lápides romanas. A mais importante de todas, surpreendente até pela eloquência, encontra-se no lado poente da torre, precisamente na base e no canto desta, deitada, mas com a inscrição legível. Aproximando-nos da lápide, lê-se GENIO/MVNICIPI. Trata-se do que resta de uma ara votiva, um altar, para veneração do deus protector e tutelar do lugar. O posicionamento da inscrição e o conteúdo não deixam dúvidas quanto à intenção: tratou-se de utilizar um antigo sinal de povoamento romano, que designava a divindade tutelar da urbe (em bom rigor, era este o “génio do lugar”) como pedra de fundação de um castelo que marcava a reconquista cristã e cuja construção se iniciou a 1 de Março de 1160, o mês de Marte, o deus da guerra. Neste castelo, já se vê, o traço dos templários permanece bem visível.

À época, este era um dos maiores redutos defensivos construídos em território português. No pano de muralhas a sul, encontra-se ainda a Porta do Sangue, assim chamada por causa do cerco que, em 1190, as tropas de Iacub Al-Mansur (Almansor) impuseram à povoação, tendo esta resistido integralmente, sem cedência da fortaleza, o que atesta o seu efeito dissuasor. 
Mas recuemos no tempo. A Ordem do Templo foi fundada em Jerusalém, no ano de 1118, por Hugues de Payens, primo de São Bernardo, e com o entusiástico apoio deste. Em Portugal, tendo como grão-mestre o português Gualdim Pais, registou-se o crescimento “nacional” da vocação templária, altura em que foram fundados os castelos de Pombal, Tomar e Almourol. Antes, há registos de doações de Dona Teresa em 1128 e D. Afonso Henriques em 1143 e 1159 e a certeza de que a Ordem fora decisiva para a tomada de Santarém aos mouros.

Alcobaça foi um dos centros religiosos mais relevantes do século XII em Portugal. O Mosteiro foi a sede espiritual da Ordem do Templo, que ocupou território a sul para garantir a defesa do lugar. Na imagem, um painel de azulejo evoca a lenda na base da construção do mosteiro que, segundo a tradição, foi uma promessa de D. Afonso Henriques caso tomasse Santarém. Fotografia António Luís Campos.

A Ordem expande-se a partir de então. Recebe generosas doa-ções de parcelas de território e prossegue o esforço cavaleiro de auxílio à coroa na reconquista cristã. Tomar é a cidade-chave para beber este legado com largos séculos. 
É lá, por exemplo, que se encontra a Igreja de São João Baptista. A configuração actual deriva das obras efectuadas no reinado de D. Manuel I, mas a igreja foi fundada antes de 1178. Resta desse período um antigo tímpano embebido na base da torre, com um leão e um cão, ladeando uma flor-de-lis. A seu lado, encontra-se, encastrada na parede, e reaproveitada, a base de um túmulo, com a figura de um leão, modernamente conhecida como “a esfinge”. No interior do tem­plo, na gola do capitel da fiada norte dos arcos, aparece a representação de um cão perseguindo um porco e a figura de um monteiro. Trata-se de uma evocação da curiosa lenda de fundação da cidade narrada em 1317 e que se baseia numa caça ao porco-montês levada a cabo pelo mestre dos templários.

O Convento de Cristo, em Tomar, durante uma representação teatral. No século XVI, a Ordem de Cristo, sucessora da Ordem do Templo, passou aqui à clausura. Fotografia António Luís Campos.

Ainda em Tomar, recuperamos a pista na Igreja de Santa Maria do Olival, panteão da Ordem do Templo. A actual igreja resulta de uma reconstrução total, devendo datar de meados do século XIII. Trata-se de um templo de três naves com cobertura de madeira. A fachada possui um corpo central de empena triangular, onde se rasga uma rosácea. Salienta-se o ornamento sobre a empena da porta principal: a grande estrela de cinco pontas, inscrita num círculo policêntrico. Este pentagrama, tantas vezes associado a sinais mágicos pode ser apenas isso – um símbolo protector –, mas também pode ter sido uma invocação do Templo de Salomão, edificação importante na geografia sagrada dos templários. Aqui foi sepultado, em 1195, o primeiro mestre templário de origem portuguesa D. Gualdim Pais. Como acontece com outros monumentos tomarenses, sobrevivem lendas de subterrâneos que ligam a igreja ao Convento de Cristo e ao rio Nabão.

O trifronte da copa do Convento de Cristo. No mesmo processo contra a Ordem do Templo, alega-se que os templários “tinham ídolos, isto é, cabeças, algumas das quais com três faces (…)”

As “terras” templárias faziam parte de uma rede de lugares que compunham o chamado “termo de Ceras”, tendo por cabeça a vila de Tomar. Subordinado ao projecto dos Roteiros Turísticos do Património Mundial, o Turismo de Portugal criou quatro itinerários temáticos na zona centro do país. 
“O Tesouro  dos Templários” é um deles. Trata-se de uma rota que procura seguir a pista da Ordem do Templo no eixo entre Tomar, Batalha e Alcobaça.
Com Tomar como ponto de partida, praticamente todas as direcções integram pontos de interesse. Para norte, encontramos a Torre de D. Gaião em Ferreira do Zêzere. Situa-se numa propriedade que este alcaide de Santarém viria a doar aos templários em 1159. Visível da estrada, encontra-se muito arruinada e o acesso é difícil. A torre constituía uma atalaia avançada nas imediações do Castelo de Ceras, mas foi perdendo importância, atendendo à modificação da linha de defesa formada pelos novos castelos templários. Mais tarde, seria utilizada como armazém e celeiro da Ordem de Cristo. Também conhecida por Torre da Murta ou Torre do Ladrão Gaião, anda-lhe associada uma lenda de gigantes.

Uma cabeça de bode como mísula do claustro de Santa Bárbara, em Tomar. No processo de Filipe, o Belo, contra os templários em 1312, deu-se como provado “que nas assembleias, e sobretudo nos grandes capítulos, adoravam ídolos como a Deus, como o seu Salvador, dizendo que essa cabeça podia salvá-los”. Trata-se de uma referência ao mítico bafomet, que alguns consideram estar representado nesta mísula tardia. Fotografia DGPC, Luís Pavão.

Na Alviobeira, corre a ribeira de Ceras, o nome dado ao território concedido por D. Afonso Henriques aos templários. Daqui se partiu em meados do século XII para a implantação da Ordem no resto do país. Mais para norte, recuperamos Areias, uma das mais antigas paróquias dos territórios templários. Apesar de pequena, a povoação possui um templo de grandes dimensões, o que dá conta da sua relevância. E se prosseguirmos ainda mais para norte, encontramos a Torre de Dornes, que talvez tenha servido de torre-atalaia templária na linha do Zêzere-Tejo. Encontra-se sobranceira ao rio num esporão que domina a albufeira que ali se forma. Segundo a lenda, teria sido erguida pelo famoso dissidente de Roma, Sertório. Possui planta pentagonal e é construída em xisto, calcário e alvenaria miúda. Descansa sobre um embasamento que parece ter origem romana. 

Se, em alternativa, caminharmos para oeste, encontramos as Olalhas, doadas aos templários em 1159, onde a Igreja Matriz ainda se mantém de pé, embora a versão actual já remonte ao século XVI. Continuando para oeste, é difícil não encontrar no nome Castelo de Bode um eco do famoso e infame bafomet templário.
Para leste, o caminho leva-nos à Abadia de Santa Maria de Alcobaça, um dos centros religiosos mais importantes do reino português na segunda metade do século XII, historicamente ligado à fundação do novo reino. Este mosteiro, um dos maiores da Ordem de Cister em toda a Europa, cumpria o papel de sede espiritual da Ordem do Templo, que tivera no seu abade-geral São Bernardo de Claraval o primeiro e mais importante aliado.

Uma das mais antigas inscrições conhecidas da nobreza portuguesa, em Alcobaça. Há praticamente 700 anos, a Ordem do Templo foi extinta, mas o seu legado permanece visitável nesta viagem pelo tesouro dos templários. Fotografia António Luís Campos.

Mas é para sul que o roteiro se torna mais rico. A Quinta da Cardiga, na Golegã, foi uma doação do primeiro rei português aos templários em 1159, confirmada pelo papa em 1187, na qual foi construído um castelo que funcionaria como linha avançada da fortificação do Tejo. O perfil do castelo não deixará de motivar, pelo menos, uma apropriação imaginária no “Palmeirim de Inglaterra”, de Francisco de Morais (1567). O escrito associa o castelo à cavalaria, mas também às lendas de gigantes, uma vez que atribui a sua defesa a um gigante, precisamente de nome Almourol, que por sua vez protegia a dama, Miraguarda. O encontro de Florendos com a donzela e o gigante é um dos episódios mais conhecidos daquela narrativa cavaleiresca.

E depois há Almourol. Bem se pode dizer de Almourol que é “o castelo dos castelos”. É um dos mais conhecidos castelos medievais da Europa. Quando as terras de Cardiga e Zêzere foram doadas, em 1169, aos templários, a intenção era salvaguardar a defesa pelo Sul de Portugal. Uma das vias de penetração nesses territórios era o próprio Tejo, pelo que a decisão de edificar uma fortaleza desde logo se impôs. Foi escolhida uma ilhota no meio do rio, conhecida desde os tempos árabes como Al-morolan (pedra grande). A construção iniciou-se em 1171. Na ilhota, foi escolhida a cota mais alta para evitar inundações em período de cheia.

O “Tesouro dos Templários” é um dos itinerários criados pelo Turismo de Portugal ao abrigo do projecto Roteiros do Património Mundial, que visa qualificar as condições de visita aos monumentos classificados pela UNESCO em Tomar, Batalha e Alcobaça. O “Tesouro dos Templários” baseia-se no legado da Ordem do Templo e tem Tomar como ponto nevrálgico. A partir desta cidade, encontram-se motivos militares e religiosos associados à Ordem do Templo nos séculos XII e XIII. Os outros itinerários são “Caminhos da Fé”, “No Coração de Portugal” e “A Demanda do Graal”. NGM-P; Fonte: www.visitportugal.pt.

Avançamos na máquina do tempo. No início do século XIV, o poder da Ordem era imenso e grande a sua riqueza.
 Forma-se, em torno dos templários, uma mitologia nem sempre consensual, ao mesmo tempo que os seus territórios suscitam cobiça e intrigas. O papa Clemente V, que fora colocado no trono através de manobras do rei francês Filipe, o Belo, a quem interessavam os bens templários, permite que o monarca conduza um processo inquisitorial que levará, a 2 de Maio de 1312, à extinção da Ordem, apesar de não condenada pela Santa Sé.
As alianças templárias com potentados islâmicos na Terra Santa terão então passado por “traição”. Outros aspectos prendem-se com fímbrias da realidade, indicando a existência de “liturgias” estranhas, (mal) interpretadas pela espiritualidade de cariz popular. Parece, também, que em alguns casos se confundiu uma “praxe” de aceitação na Ordem com rituais que, de secreto, nada tinham. Mais: tudo aponta para que o famoso “ídolo” que os templários veneravam (o “diabólico” bafomet) fosse um cofre-relicário, em forma de cabeça do santo venerado.

O culto das relíquias era, aliás, central à espiritualidade templária. Sabe-se hoje, através da pesquisa de Barbara Frale no Arquivo Secreto do Vaticano, que uma relíquia que passou pelas mãos templárias era o Santo Sudário, reproduzido de modo a ser venerado como ícone nas comendadorias templárias, o que levou a mal-entendidos no processo.
Em Portugal, tudo foi diferente. Em 1319, D. Dinis fundou a Ordem de Cristo, continuadora dos templários, e os cavaleiros e bens foram transferidos para a nova Ordem. Em 1417, o cargo de mestre passou a ser desempenhado pelos dignitários da Casa Real, tendo o infante D. Henrique sido o primeiro a integrar este regime. A Ordem de Cristo foi configurada de modo a manter o seu espírito de cavalaria e de cruzada, mas encaminhando-se para o que parecia ser a “missão” inicial do infante: a conquista da Ásia, através das viagens marítimas, que a própria Ordem financiou. 
A organização viria a ser reformada por D. João III, em 1529, passando à estrita clausura, inspirada na Regra de São Bento. 
A medida suscitou a construção do “novo” convento renascentista de Tomar, acrescentado ao mosteiro e à fortaleza medievais. O castelo tornou-se um resíduo da vocação guerreira. Lá bem perto, construída entre 1160 e 1250, a charola decerto evocaria aos membros da Ordem os primeiros anos dos templários em Portugal. 

Simbólica templária De cima para baixo: o selo - dois cavaleiros partilham uma montada; o bauceant - estandarte inconfundível; Representação do Templo de Salomão.

CRONOLOGIA DA ORDEM DO TEMPLO

1118  A Ordem é fundada em Jerusalém por Hugues de Payens.

1128  Primeiro registo de uma doação régia aos templários em Portugal. A Ordem é aprovada pela Igreja Católica.

1147  Lisboa e Santarém são tomadas aos mouros com forte apoio dos templários.

1157 Gualdim Pais é nomeado mestre da Ordem em Portugal. A sede é em Soure.

1160  Inicia-se a construção do Castelo de Tomar. A cidade torna-se a sede da Ordem.

1190  Tomar resiste ao cerco mouro. 

1195  Morre Gualdim Pais, primeiro mestre  português da Ordem.

1171  Inicia-se a construção do Castelo de Almourol.

1312  Extinção da Ordem do Templo.

1319  D. Dinis funda em Portugal a Ordem de Cristo. A sede fica em Castro Marim.

1357  A sede da Ordem é devolvida a Tomar.

1417  O cargo de mestre passa a ser desempenhado pela Casa Real.

1529  A Ordem passa à estrita clausura.


 Texto Paulo Pereira
National Geographic

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