D. Catarina de Bragança, a única portuguesa Rainha de Inglaterra

Catarina de Bragança - Peter Lely (1663-65)

Nasceu princesa em Portugal, foi rainha de Inglaterra (a única portuguesa a sê-lo) e por duas vezes chegou a ser regente do trono de Portugal. À portuguesa Catarina de Bragança está associado o nome do bairro de Queens, em Nova Iorque, o nome do bolo que todos conhecemos por “queque”, o hábito de beber chá na Grã-Bretanha (entre outras novidades introduzidas na corte inglesa) e o início do grande império britânico na Índia, tendo tido ainda um contributo primordial para a independência de Portugal face a Espanha.


D. João IV, Rei de Portugal e Algarves

Filha do (futuro) rei D. João IV, nasceu em Vila Viçosa no dia de Santa Catarina, 25 de Novembro, quando reinava em Portugal o rei espanhol Filipe III. Dois anos depois, o 1.º de Dezembro – restauração da independência nacional – marcou o início de um longo período de 28 anos de guerra com os espanhóis, que não se conformaram com a declaração de independência e a subsequente ocupação do trono português por João IV (duque de Bragança). Este facto iria marcar o destino de Catarina.


Carlos II de Inglaterra e Dona Catarina de Bragança (gravura holandesa, 3.º quartel do século XVII)

Em 1661, mais de 20 anos de guerra tinham deixado o país “exausto e as populações desesperadas, com a sobrecarga dos impostos, as contínuas levas de soldados, a falta de mantimentos e o cansaço dos espíritos” e a fome alastrava a várias zonas do país. Nesse ano, havia notícias seguras de que Espanha estava a preparar uma grande invasão de Portugal. Para agravar a situação, muitos países, incluindo a Santa Sé, não tinham ainda reconhecido a nova situação portuguesa. Portugal estava cada vez mais dependente do apoio de Inglaterra e negociou, por isso, um novo tratado confirmativo da velha aliança luso-britânica e o casamento da princesa Catarina de Bragança com o rei de Inglaterra, Carlos II, que ocorreu no ano seguinte.


Coroação de D. João IV, Quadro de Veloso Salgado (1864-1945) - Museu Militar (Sala Restauração), Lisboa

A temida invasão espanhola veio a acontecer uns meses depois. Os espanhóis chegaram a tomar posse de Évora, mas a invasão acabou por ser repelida pelo nosso exército, com a preciosa ajuda de milhares de soldados ingleses. Nova grande invasão foi tentada em 1665, mas mais uma vez sem sucesso. Espanha e Portugal acabaram por assinar um tratado de paz e a guerra terminou finalmente. Portugal tinha garantido a independência conquistada em 1 de dezembro de 1640.


Carlos II Rei da Inglaterra, Escócia e Irlanda, Retrato por John Michael Wright, c. 1660–1665

O casamento de Catarina de Bragança com o rei de Inglaterra, tendo sido fundamental para o futuro de Portugal, custou muito ao país. O dote da princesa incluía o pagamento, por Portugal, de dois milhões de cruzados, que custaram muito a reunir. A rainha (Leonor de Gusmão) terá dado o exemplo, desfazendo-se das suas numerosas e valiosas jóias. Empenharam-se pratas, jóias e outros tesouros de conventos e igrejas portugueses. E durante dois anos foi necessário dobrar o pagamento das sisas. Além dos dois milhões de cruzados, o dote da princesa Catarina incluiu ainda a transferência, para os ingleses, da posse de Tânger, em Marrocos, e de Bombaim, na Índia. Foi precisamente com Bombaim, oferecida pelos portugueses, que os ingleses iniciaram a sua presença na Índia e aí construíram um grande império, que se manteve até à independência indiana e paquistanesa no século XX…


Bombaim

Catarina de Bragança partiu para Inglaterra, para casar, em 1662. Tinha sido educada num convento, de onde só tinha saído meia dúzia de vezes, e não sabia uma única palavra de inglês. Católica num país de protestantes (foi a última rainha católica de Inglaterra), foi alvo de inúmeras suspeições, intrigas e conspirações, o que se agravou com a circunstância de nunca ter conseguido ter um filho do rei (que, em contrapartida, teve 15 filhos das suas muitas amantes). Tentaram convencer a rainha a entrar num convento, o parlamento inglês chegou a oferecer ao rei 500 000 libras caso este se divorciasse de Catarina e em 1678 a rainha foi mesmo formalmente acusada, pelo parlamento, de estar por detrás de uma conspiração para matar o rei. Era, ainda assim, estimada em Inglaterra. Sobre Catarina de Bragança escreveu a escritora britânica Lillias Campbell Davidson que foi “uma das melhores e mais puras mulheres que se sentaram no trono de Inglaterra”.


Mary Cassatt, “Five O’Clock Tea” (1880)

Em Inglaterra, introduziu algumas novidades. Entre elas, a mais conhecida é a de ter introduzido o hábito de tomar chá com bolos, hábito esse que permaneceu até aos dias de hoje e está de tal modo enraizado que o chá é hoje uma verdadeira bebida nacional em Inglaterra. Associado a Catarina de Bragança está ainda, segundo a tradição, o bolo que hoje conhecemos sob a forma de queque, feito com massa inglesa e com uma coroa de rainha a toda a volta (“queque” deriva da palavra inglesa “cake”). A primeira ópera italiana que os ingleses puderam ouvir foi mandada trazer por ordem de Catarina. A rainha introduziu ainda na corte inglesa o uso de pratos de porcelana (por lá usavam-se pratos de ouro ou prata e os alimentos ficavam frios num instante…) e o dos leques em substituição da máscara de passeio em seda negra.


Nova Amesterdão, Johannes Vingboons (1664)

Durante o reinado de Carlos II, a cidade norte-americana de Nova Amesterdão, fundada pelos holandeses, foi conquistada pelo inglês duque de Iorque, passando a denominar-se Nova Iorque. A um dos dois principais bairros de Nova Iorque foi dado o nome de Queens, de “queen”, “rainha”, em homenagem à “nossa” Catarina. Carlos II veio a falecer, Catarina ficou mais 9 anos em Inglaterra e acabou por regressar a Portugal em 1693. As festas da sua chegada demoraram três dias. Antes de morrer, 12 anos depois, ainda ocupou por duas vezes o cargo de regente do reino português, em substituição do rei Pedro II. Foi sepultada no Mosteiro dos Jerónimos (no século XIX, os seus restos mortais foram transladados para o Mosteiro de S. Vicente de Fora).


Vista geral do interior do Panteão Real da Dinastia de Bragança

Catarina de Bragança tem uma estátua no Parque das Nações, em Lisboa, réplica da estátua mandada fazer para o bairro de Queens, em Nova Iorque.


Estátua da Rainha D. Catarina de Bragança - Parque das Nações - Parque Tejo (Lisboa - Parque das Nações)

Fontes:
- História de Portugal de Veríssimo Serrão, vol. V (de onde foi retirado o trecho citado entre aspas no 3.º parágrafo)
- D. Catarina de Bragança, de Maria Luísa Boléo

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