D. Isabel de Bragança, Infanta de Portugal, Rainha de Espanha e fundadora do Museu do Prado

Contam os seus biógrafos ser Isabel de Bragança uma aficionada das Belas Artes, Académica de Honra e Conselheira da Real Academia de Belas Artes de São Fernando, em Madrid.

A rainha Maria Isabel de Bragança (que morreu de parto em 26 Dezembro de 1818), figura na Galeria de retratos do Museu do Prado onde tem um retrato datado de 1829, pintado onze anos depois da sua morte, sendo seu autor Bernardo López Piquer, filho do grande pintor Vicente López. É um retrato a óleo sobre tela, com as dimensões 258 x 174 cm, na execução do qual o seu autor utilizou como modelo um retrato de um busto em formato oval da autoria de seu pai, datado do ano do casamento da rainha.

María Isabel de Bragança como fundadora del Museo del Prado, pintura a óleo (1829) de Bernardo López Piquer

É de sublinhar a especial iconografia deste retrato no qual a rainha é representada como fundadora do Real Museu de Pintura e Escultura do Prado, cuja imagem, a rainha aponta com a mão direita, se encontra visível através de uma janela, e assinalando com a mão esquerda alguns planos do museu em pergaminhos ou papéis, que se encontram depositados sobre uma mesa.

No catálogo dos quadros do Museu Real, datado de 1854, o seu autor, Pedro de Madrazo, escreve que “foi a rainha Maria Isabel de Bragança quem sugeriu ao Rei a ideia (da criação do Museu), por “escitacion” (sic) de algumas personalidades amantes das Belas Artes, ideia que o Rei acolheu com verdadeiro entusiasmo”.

Museu do Prado, Madrid

Maria Isabel Francisca de Assis Antónia Carlota Joana Josefa Xavier de Paula Micaela Rafaela Isabel Gonzaga de Bragança  nasceu no dia 19 de Maio de 1797, no Palácio de Queluz.  Era filha de D. João VI e de D. Carlota Joaquina.  Sensível à arte, generosa, tranquila, dócil, romântica, de modos suaves, não falha as lições de pintura de mestre Domingos António de Sequeira. Em 1807, durante a primeira invasão francesa, a família real muda-se para o Brasil, para impedir a perda da coroa e da independência.

O bilhete de regresso à Europa só chega em 1814. O irmão de Carlota Joaquina, Fernando VII, restaura a dinastia Borbón e escreve-lhe secretamente para lhe pedir a mão da filha. Na missiva, solicita ainda a mão de Maria Francisca, irmã de Maria Isabel, para o seu irmão Carlos Isidro. As negociações arrastam-se, mas as infantas embarcam em direcção a Cádis em 22 de Março de 1816. A viagem é atribulada, devido ao estado do mar, pelo que só cinco meses depois chegam ao destino. Dali, ainda têm de rumar a Madrid, onde conhecerão os esposos: já casaram com eles por procuração, através dos seus representantes legais.

Isabel de Bragança

Reza a história que Maria Isabel de Bragança teve uma recepção estranha na capital. Marsilio Cassotti confirma no livro Infantas de Portugal, Rainhas em Espanha que as duas raparigas são aceites sem dote. Não é de estranhar. Num continente em guerra com França para impedir o sonho imperial de Napoleão, nenhuma casa real tem dinheiro. Na mesma obra, Maria Isabel é descrita como “roliça, descorada, de olhos esbugalhados, nariz proeminente, boca pequena e aspecto pouco inteligente”. Verdade seja dita: Fernando VII também não é encantador. “Tem baixa estatura, forte compleição, o nariz monumental e o gesto antipático”, escreve Cassotti, além de “modos camponeses”.

Apesar de uma primeira impressão negativa, a portuguesa conquista a população quando manda desmarcar os festejos em honra do seu casamento. Tudo para não aumentar o sacrifício do povo, muito massacrado pelas dificuldades trazidas pela Guerra da Independência. Nem tudo lhe corre de feição, até porque o marido não é um homem apaixonado.

Fernando VII con manto real, pintura a óleo (1814 - 1815) de Francisco José de Goya y Lucientes

Após o nascimento da primeira filha, Maria Isabel de Bragança surpreende a corte espanhola com a decisão de amamentá-la. Não é o costume da aristocracia, muito menos da família real. A estada no Brasil pode ter influenciado o arrojo, pois as brasileiras crioulas preferem dar peito aos filhos, para evitar que sejam nutridos por mulheres de raças misturadas. A bebé não sobrevive.

A segunda gravidez não tarda. O parto é difícil e prolongado. O esforço e o cansaço provocam convulsões que paralisam o corpo da rainha. Parece morta. Maria Isabel sofre de epilepsia, mas os cirurgiões que a acompanham desconhecem esse facto. Por isso, solicitam ao rei uma cesariana de emergência para salvar o feto. Apesar dos apelos da irmã Maria Francisca, que revela a doença aos especialistas e os adverte sobre a possibilidade de a soberana estar viva, a cirurgia avança. Quando lhe cortam o ventre, Maria Isabel grita de dor, mas a operação continua e dá origem a uma grande hemorragia. A paciente não resiste. Nas ruas, começa a circular o boato de que a rainha morreu duas vezes.

Retrato da Princesa D. Maria Isabel de Bragança (Rainha de Espanha), atribuído a Nicolas-Antoine Taunay e pintado no Rio de Janeiro em 1816.
A criança acaba por falecer minutos depois. Estamos em 26 de Dezembro de 1818. Nesse dia, já se encontravam depositados no Museu do Prado, a mando da rainha, 850 quadros. A pinacoteca abre ao público em Novembro do ano seguinte, sem a presença da sua fundadora. Na inauguração, apenas estavam expostas 311 obras, provenientes de colecções reais e da nobreza, seleccionadas pelo marquês de Santa Cruz e pelo pintor da corte, Vicente López.

Hoje em dia, o acervo do Museu do Prado engloba cerca de 8600 pinturas, mais de cinco mil desenhos, duas mil gravuras, setecentas esculturas e fragmentos escultóricos, cerca de mil moedas e medalhas e quase duas mil peças de artes decorativas.

Vida difícil em Madrid

A vida em Madrid foi de extrema infelicidade para a jovem rainha, devido à vida devassa de seu marido, completamente desinteressado pela sua mulher,  e também ao sentimento geral que fora criado a seu respeito, devido à sua nula beleza física e à falta de dote que fosse engordar os régios cofres. “Fea, pobre y portuguesa, chúpate esa”, dizia-se em Madrid.

Para dissipar as suas mágoas, a rainha ocupou-se então na protecção das artes e dos artistas e na criação do Museu do Prado, enquanto escrevia um diário íntimo recheado de amargura e de melancolia e umas cartas queixosas a sua mãe,  que nas suas respostas pouco a consolava, concluindo sempre com as palavras “a resignação é a divisa dos santos”.

Sem comentários:

Com tecnologia do Blogger.